sábado, 31 de março de 2012

O valor da biodiversidade

A biodiversidade tem uma enorme importância para o ambiente. Os seus aspetos funcionais, que correspondem à interligação das espécies por mecanismos naturais, possuem relevantes funções ecossistémicas, tais como a regulação do clima; a purificação do ar; a proteção dos solos e das bacias hidrográficas contra a erosão; o controlo de pragas; etc. O homem também usufrui da imensa diversidade biológica. Uma panóplia de grãos, frutas, cereais, etc., serve de alimento; a purificação da água ou a biorremediação resolvem focos de poluição; os biocombustíveis podem reduzir a utilização do petróleo; as fibras são importantes para o vestuário; a polinização para as culturas agrícolas; os medicamentos que tiveram origem em substâncias produzidas pelas plantas, utilizadas para se defenderem dos predadores; etc. Uma lista interminável, que revela a importância da biodiversidade. Assim, a biodiversidade está diretamente relacionada com os serviços de ecossistema, que são fundamentais tanto à natureza per si, como para as atividades humanas, fornecendo boas condições ambientais e sua regulação, bens, nutrientes, água, alimentos, combustíveis, bem-estar humano, património cultural, etc. e, quando esses serviços são perturbados, afetam diretamente as atividades humanas, como a agricultura, o comércio, a indústria, o turismo, a educação, a saúde e a cultura.

1. Serviços de Ecossistema



Existem várias propostas para definir os serviços de ecossistema:

• Para Myers (1996), os serviços de ecossistema são também designados por serviços ambientais, e define-se como qualquer atributo funcional dos ecossistemas naturais que demonstrativamente beneficiam a humanidade.

• Para Costanza et al. (1997) São os benefícios que a população humana obtém, direta ou indiretamente das funções dos ecossistemas.

• Daily (1997) afirma que São as condições e processos através dos quais os ecossistemas naturais, e as espécies que dele fazem parte, sustêm e preenchem a vida humana.

• Por fim, De Groot et al. (2002) diz que as funções dos ecossistemas são a capacidade dos processos naturais providenciarem bens e serviços que satisfaçam direta ou indiretamente as necessidades humanas, sendo que cada função é um conjunto de processos ecológicos e de estruturas do ecossistema que resultam de processos naturais de todo o subsistema ecológico do qual faz parte. Os processos naturais referidos são o resultado de interações complexas entre bióticos (organismos vivos) e abióticos (química e física) componentes dos ecossistemas, através das forças motrizes universais da matéria e energia.




Silva (2008) classifica os serviços de ecossistémicos através dos seguintes aspetos:

Funcionais – regulação, habitat, produção e informação;

Organizacionais – serviços associados a determinadas espécies, que regulam alguns inputs exógenos ou relacionados com a organização das comunidades bióticas;

Descritivos – fontes de bens renováveis e não-renováveis, serviços estruturais físicos, bióticos e bioquímicos e serviços de informação, sociais e culturais.

Por sua vez, o Millennium Ecosystem Assessment (2005) divide os serviços de ecossistema nos seguintes parâmetros:

Serviços de suporte – solo, ciclo nutrientes, ciclo água, produção primária, fotossíntese;

Serviços de produção – alimentos e especiarias, água, recursos genéticos, produtos bioquímicos e medicinais, energia;

Serviços de regulação – climática, hídrica, qualidade do ar, erosão, controlo de doenças e pragas, tratamento e reciclagem de resíduos, polinização e dispersão de sementes e;

Serviços culturais – recreativo, estético, científico, educacional, intelectual e espiritual.

2. As atividades económicas e os serviços de ecossistema



O Relatório MEA (2005) diz que a atividade humana está a causar uma pressão sobre as funções naturais da Terra, de tal forma que a capacidade dos ecossistemas do planeta em sustentar as gerações futuras já não pode ser considerada uma certeza. Face ao declínio da biodiversidade, é urgente tomar medidas para reduzir o impacte antropogénico nos ecossistemas, porque a preservação dos ecossistemas e dos seus serviços é vital para a espécie humana. E como o mundo humano gira à volta da economia, será importante trabalhar este setor para uma economia mais verde.
Os mecanismos de mercado, tradicionalmente, não asseguram a conservação dos serviços de ecossistema, devido à inexistência ou fraca aplicação de mercados específicos, por exemplo para os serviços de regulação ou culturais. Deste modo, têm de se fazer esforços para reverter essa situação, o que leva imediatamente à pergunta: como fazê-lo? Deve-se começar por atribuir uma valor económico aos serviços ecossistémicos, porque na base da economia mundial estão as empresas que extraem, transformam, produzem, transportam e vendem os produtos. A atribuição de um valor aos serviços ecossistémicos seria um caminho para mudar o paradigma de atuação das empresas, que deixariam de ser promotoras de alteração, para passarem a ser agentes de preservação e recuperação de áreas ambientalmente degradadas e, ao mesmo tempo, possam ganhar mais com essa forma de atuação. Por conseguinte, poderia assistir-se a uma metamorfose total, onde os principais agentes responsáveis pelos danos causados ao ambiente passam a ser, nesta nova perspetiva, os seus principais patrocinadores (Moreira, 2010). As empresas que estão diretamente ligadas aos serviços ecossistémicos, só sobreviverão se a biodiversidade for devidamente preservada. Nesse contexto, a atribuição de um valor económico aos serviços ecossistémicos e à biodiversidade será relativamente fácil, porque faz (ou deveria fazer) parte da própria lógica de gestão das empresas. A questão coloca-se nas atividades que não estando diretamente relacionadas, possam também elas ganhar. Aqui é indispensável a ajuda dos Stakeholders. Estes agentes, que de uma forma geral, traduzem os principais drivers que abonam a importância económica dos serviços ecossistémicos, podem influenciar as políticas particulares de cada empresa, impulsionando-as para o uso sustentável dos recursos naturais e das boas práticas ambientais. Contudo, a atribuição de um valor económico aos serviços ecossistémicos e à biodiversidade será indispensável através dos PES que possibilitem internalizar as externalidades ambientais. Este tipo de mercado, também denominado Banking Systems, é importante porque converte responsabilidades ambientais em ativos, impondo custos sobre aqueles que danificam os ecossistemas e benefícios àqueles que exercem ações de preservação (Moreira, 2010). Todos os sectores estão de uma forma direta ou indireta dependentes dos serviços ecossistémicos. Extratores, produtores, transformadores de matéria-prima, transportadores, comércio, serviços, banca, seguradoras, consultorias, academias, etc. Um universo de atividades económicas que podem lucrar com a preservação dos ecossistemas, através de mecanismos independentes ou de incentivos governamentais.

3. Outros aspetos a ter em conta

A biodiversidade não pode ser tratada só à luz da economia. Para a sua preservação é necessário ter em conta outros aspetos:

Ética: é necessário mudar o paradigma da relação entre o homem e os outros seres da natureza. Como espécie dominante no Planeta, o ser humano tem o dever moral de proteger as outras formas de vida;

Estética e Espiritualidade: existe uma ligação entre o bem-estar humano e a sua natureza interior com a fruição de uma paisagem natural rica em biodiversidade;

Ciência e Educação; a biodiversidade é importante para conhecer os aspetos da vida e um grande auxiliar numa educação para a cidadania ambiental.



Referências:

Azeiteiro, U., 2009. Biodiversidade e Serviços do Ecossistema. Estudo e Conservação da Biodiversidade. Texto de Apoio – UT1. DCeT. Universidade Aberta.

Christie, M.; Hanley, N.; Warren, J.; Murphy, K.; Wright, R.; Hyde, T., 2006. Valuing the diversity of biodiversity. Ecological Economics 58 (2006) 304– 317.
Costanza, R., R. d'Arge, R. de Groot, S. Farber, M. Grasso, B. Hannon, K. Limburg, S. Naeem, R.V. O'Neill, J. Paruelo, R. G. Raskin, P. Sutton, M. van den Belt. 1997. The value of the world's ecosystem services and natural capital. Nature 387 (6230): 253-260.

Daily, G. E., 1997. Nature's Services – Societal Dependence on Natural Ecosystems. Island Press, Washington
Myers, N., 1996, Environmental services of biodiversity. Proceedings of the National Academy of Sciencesof the United States of America, 93:2764-2769.

De Groot, R.S., Wilson, M.A., & Boumans, R.M.J., 2002. A typology for the classification, description and valuation of ecosystem functions, goods and services. Ecological Economics 41: 393-408.

Levejoy, T. E., 1996. "Biodiversity: what is it?" In Biodiversity II.

Millennium Ecosystem Assessment, 2005. Ecosystems and Human Well-being: Biodiversity Synthesis. World Resources Institute, Washington, DC.

Moreira, J, 2010. As Empresas e a Biodiversidade. Universidade Aberta.

Silva, A.S.G., 2008. Serviços de Ecossistema para a Saúde e o bem-estar Humano: Contextualização Ecológica e Relevância nas Estratégias e Políticas Contemporâneas de Conservação da Natureza e Desenvolvimento Sustentável. Dissertação de Mestrado. Universidade do Porto.

Wilson, E.O., 1988. The current state of biological diversity. Pp. 3-18 in Biodiversity, E.O., Wilson and F.M., Peter, eds. Washington, D.C.: National Academy Press.

A Diversidade da Vida



1. A biodiversidade

O termo biodiversidade foi utilizado pela primeira vez por Walter Rosen no National Forum on BioDiversity (Wilson, 1988) e representa uma entidade mensurável de riqueza específica (Magurran, 1988), que traduz a variedade da vida (Wilson, 1988). Presentemente, não se sabe ao certo quantas espécies existem na Terra, que se encontram inseridas em 3 Domínios (Archaea, Bacteria e Eukarya) e 5 Reinos (Monera, Protozoa, Fungi, Plantae e Animalia). Sabe-se sim, que o número é muito elevado, na ordem dos milhões, e engloba vírus, bactérias, fungos, algas, plantas, protozoários, insetos, peixes, aves, mamíferos, etc.



A Biodiversidade ou a diversidade biológica compreende diversas dimensões:

• Tem origem e estrutura na base dos processos evolutivos e ecológicos - os primeiros estão relacionados com a deriva genética, a seleção natural, a especiação alopátrica e simpátrica, a adaptação, a mutação e a variação e, os segundos, com as influências em várias escalas que condicionam a biodiversidade;

• Possui vários níveis organizacionais - biodiversidade genética, biodiversidade das espécies, biodiversidade dos habitats, biodiversidade das comunidades e biodiversidade dos ecossistemas;

• Encerra múltiplas perspetivas consoante as áreas de estudo – biodiversidade para os ecólogos das comunidades associada às componentes riqueza e equitabilidade e às hipóteses diversidade-estabilidade, redundância e nula; biodiversidade para os taxonomistas, com a quantificação de atributos taxonómicos e; biodiversidade para os conservacionistas, relatada no conceito de raridade.

2. A ameaça à biodiversidade
A biodiversidade pode ser ainda uma referência à crescente preocupação sobre a redução da diversidade da vida e a sua conservação (Bowman, 1993).
Este tema será tratado num novo post.

Segue-se um vídeo sobre a biodiversidade


Referências:

Araújo, M., 1998. Avaliação da Biodiversidade em Conservação. Silva Lusitana 6 (1): 19-40.
Azeiteiro, U., 2009. Biodiversidade e Serviços do Ecossistema. Estudo e Conservação da Biodiversidade. Texto de Apoio – UT1. DCeT. Universidade Aberta.
Bowman, D.M.J.S., 1993. Biodiversity: much more than biological inventory. Biodiversity Letters 1: 163.
Bryant, P.J., 2005. Biodiversity and Conservation - a hypertext book
Levejoy, T. E., 1996. "Biodiversity: what is it?" In Biodiversity II.
Magurran, A.E., 1988. Ecological diversity and its measurement. Princeton University Press, Princeton, N. J.
Wilson, E.O., 1988. The current state of biological diversity. Pp. 3-18 in Biodiversity, E.O., Wilson and F.M., Peter, eds. Washington, D.C.: National Academy Press.

domingo, 18 de março de 2012

Gaia - O Maravilhoso Planeta Vivo

Antes de mais, é importante saber que o Guê é o prefixo que designa as ciências que estudam o planeta, como a Geografia e a Geologia. Mas o G é também utilizado em palavras como génese, geometria, gnose, grande, glória, etc. Perante este facto, e sendo esta a letra que inicia o nome que designa Deus nas mais variadas línguas, constatamos que o G tem uma enorme conotação com a divindade. Será um acaso, o G ser a sétima letra do alfabeto e a sua forma geométrica ser composta por um semicírculo e um esquadro? Terá sido uma contingência, a escolha feita pelos antigos gregos, do G para iniciar a palavra mitológica, que designa a Mãe Terra, Gaia? Não terá sido certamente uma irreflexão a utilização desta mesma palavra, Gaia, para baptizar a hipótese de James Lovelock, que vislumbra o planeta Terra como uma unidade viva composta pelos inúmeros sistemas físico-quimico-biológicos, um modelo surpreendente de auto-organização, não linear, global, holístico e ecologicamente sublime, onde todo o planeta Terra surge como um sistema vivo e auto-organizador. Tal facto demonstra a Sabedoria perene, ao identificar a Terra como um organismo vivo, e a unidade de toda a Vida.

1. MITOLOGIA
Gaia, Geia, Gæa, Gea são nomes que correspondem à personificação da Terra como Deusa. É a primeira divindade logo a seguir ao Caos que é a origem e a unidade. Ainda pura, Gera Urano, o Céu e Pontus, o Mar. De seguida, Gaia casa com Urano, a atmosfera, dando origem a muitos filhos: 12 Titãs, o Zodíaco; três Ciclopes Gigantes de um só olho frontal, e os Hecatonquiros que eram gigantes de 50 cabeças e 100 braços. Como Urano detestava os seus filhos e os tinha aprisionados, Gaia, aqui também representada pelo amor que nutria pelos seus filhos, decidiu armar um deles com uma foice, que representa a morte e a transformação. Cronos, o tempo, ofereceu-se para o difícil trabalho. Na noite seguinte, enquanto Urano se unia a Gaia, Cronos atacou-o e castrou-o; separou assim o Céu da Terra, originando a organização da matéria terrestre. Cronos lançou os testículos de Urano ao Mar, fecundando-o, donde surgiu a vida no planeta. Esta mitologia narra ainda que algumas das gotas dos mesmos testículos caíram também sobre Gaia. E, em consequência, nasceram os descendentes que reinaram no Olimpo.
Fez-se assim ORDO AD CHAOS.

2. HIPÓTESE GAIA
James Hutton é conhecido como o pai da Geologia. Numa palestra realizada para a Real Sociedade de Edimburgo, na década de 1790, disse que considerava a Terra como um super organismo, dando como exemplos análogos, a circulação do sangue e a circulação dos elementos nutrientes da Terra. Hutton realçava a forma como o Sol destila a água dos oceanos, para que esta torne a cair sob a forma de chuva e refresque a Terra.
Na década de 60 do Século passado, o médico bioquímico James Lovelock foi contratado pela NASA, no intuito de projectar instrumentos de análise da atmosfera e, consequentemente, para a detecção de vida em Marte. Daí surgiu a pergunta capital: “Como podemos estar certos de que o tipo de vida marciano, qualquer que ele seja, se revelará nos testes de vida baseados no tipo terrestre, que é o nosso referencial?” Esta questão, levou-o a pensar sobre a natureza da Vida e como ela poderia ser reconhecida nas suas várias possibilidades. Daí concluiu que todos os seres vivos têm de extrair matéria e energia de seu meio ambiente e descartar produtos residuais em troca. Assim, a vida deveria utilizar a atmosfera ou os oceanos, caso existam, como meio fluido de movimentação de matérias-primas e produtos residuais; pelo menos ao nível e dimensão do que se reconhece por vida, dentro de nosso actual grau de conhecimento.
Estas hipóteses foram confirmadas quando Lovelock e Dion Hitchcock começaram a realizar análises na atmosfera marciana e verificaram que todas as reacções químicas possíveis já tinham ocorrido há muito tempo, seguindo a 2ª lei da termodinâmica, a entropia, que estabelece que todos os sistemas físico-químicos fechados tendem ao equilíbrio termoquímico ou à parada total das reacções. Ou seja, ao contrário do que ocorre na Terra, onde existem gases com forte tendência para reagirem uns com os outros, como o oxigénio e o metano; e estes existem em altas proporções em conjunto com outros gases, afastados do equilíbrio químico. Apesar de uma contínua reacção entre eles, continuam a existir em proporções constantes na atmosfera. Tal facto só será possível se existir algo que garanta o equilíbrio, um motor que movimente constantemente a circulação desses elementos. Lovelock descobriu que esse motor era a própria vida que existe na Terra, já que as plantas verdes produzem constantemente o oxigénio, e os restantes organismos formam outros gases, que vão repor as quantidades normais dos que sofrem reacções químicas. Noutras palavras, Lovelock provou que a atmosfera terrestre é um sistema aberto, afastado do equilíbrio químico, caracterizado por um fluxo constante de matéria e energia, influenciando e sendo influenciado pela vida, em perfeito bio-feedback. Perante estes factos, surgiu subitamente um lampejo na sua mente, que o permitiu vislumbrar Gaia: Um pensamento assustador veio a mim. A atmosfera da Terra era uma mistura extraordinária e instável de gases e, não obstante, eu sabia que a sua composição se mantinha constante ao longo de períodos de tempo muito longos. Será que a Terra não somente criou a atmosfera, mas também a regula – mantendo-a com uma composição constante, num nível que é favorável aos organismos vivos?.
Para demonstrar esta hipótese juntou-se a Lovelock a bióloga Lynn Margulis que, juntamente com o geoquímico Lars Sillen, tinha já ideias muito interessantes acerca desta temática. O seu trabalho começou a dar frutos e constataram os seguintes factos, todos eles interligados:
Construção da hipótese Gaia
Ao relacionarem os desequilíbrios na atmosfera com o surgimento dos vegetais superiores e da vida animal, detectaram que, durante milhões de anos, o planeta foi habitado apenas por microrganismos anaeróbicos simples, que consumiam compostos orgânicos existentes nos oceanos, decompondo-os em substâncias inorgânicas simples. A proliferação destes organismos e o consequente aumento do consumo deveria criar uma situação de desequilíbrio, traduzida pela redução das quantidades dos compostos orgânicos disponíveis, ameaçando a sobrevivência dessas primeiras formas de vida. Na tentativa de se adaptarem às novas condições ambientais, alguns desses organismos evoluíram para dar origem às plantas verdes. Estas transformavam substâncias inorgânicas em matéria orgânica, por meio da fotossíntese, e dão início à primeira cadeia alimentar. Mas estes seres acabaram por produzir uma nova situação de desequilíbrio, com o oxigénio, um veneno para todos os seres anaeróbicos. Para controlar a presença deste gás na atmosfera surgem, então, os seres que respiram oxigénio.
Hoje está cada vez mais clara a ideia de que os sistemas complexos, que formam um organismo vivo, possuem características próprias, homeostáticas e dinâmicas, enquanto conjunto. Mas essas características escapam às qualidades e atributos de cada parte constituinte separada. Ou seja, um organismo, como um todo, é algo diferente e com atributos próprios, estando para além da soma das partes fundamentais que o compõem.
Nos sistemas orgânicos vivos, a homeostase é a capacidade que o organismo tem de controlar a sua composição química e o seu estado físico, de forma a manter-se sempre em boas condições, mesmo quando o ambiente externo se altera. Esta é uma qualidade que apresenta características dinâmicas que superam o normal comportamento das máquinas construídas pelo homem. Nomeadamente quanto ao grau de entropia, do crescimento e do equilíbrio térmico, que leva ao desgaste constante do equipamento nas máquinas e, por consequência, ao fim da sua vida útil; mas que, ao contrário, nos seres vivos é mantido num nível mais ou menos constante.
É do conhecimento científico que o calor emitido pelo sol aumentou em cerca de vinte e cinco por cento desde que a vida surgiu na Terra. Mas, apesar disso, a temperatura na nossa superfície tem permanecido praticamente constante, num clima favorável à vida e ao seu desenvolvimento durante quatro biliões de anos. Perante este facto, uma questão aparece: será que a Terra é capaz de se auto-regular, de manter a temperatura estável e a salinidade dos seus oceanos, tal como ocorre nos organismos vivos? Lovelock responde a esta questão da seguinte maneira: Considere a teoria de Gaia como uma alternativa viável ao conhecimento convencional, que vê a Terra como um planeta morto, constituído por rochas, oceanos e atmosferas inanimadas e meramente, casualmente, habitado pela vida. Considere-a como um verdadeiro sistema, abrangendo toda a vida e todo o seu meio ambiente, estritamente acoplados de modo a formar uma entidade auto-reguladora.
A sua primeira colaboradora, Lynn Margulis, disse: A hipótese Gaia afirma que a superfície da Terra, que sempre temos considerado como o meio ambiente da vida, é , na verdade, parte da vida….Efectivamente, a vida fabrica, modela e muda o meio ambiente ao qual se adapta. De seguida, esse mesmo meio ambiente, realimenta a vida que está a mudar, a actuar e a crescer sobre ele. Existem, portanto, interacções cíclicas, não lineares e não deterministas.
Outro exemplo aprofundado por Lynn Margulis é sobre o dióxido de carbono. Os vulcões, os animais e plantas expelem continuamente doses maciças de dióxido de carbono, que, pelas suas características, provocam um efeito de estufa, com o consequente aquecimento do nosso planeta. Desta forma, deve haver também um mecanismo para eliminá-lo. De facto, a água da chuva e o dióxido de carbono combinam-se com as rochas para formar carbonatos. Este processo tem algumas bactérias como catalizadores. Seguidamente as partículas de carbonatos são levadas até ao mar, onde as algas microscópicas vão utilizá-las para construir as suas conchas. As algas vão para o fundo, formando assim sedimentos calcários. Estes, por sua vez, continuam a submergir para o centro da terra, onde serão derretidos. Eventualmente, este ciclo pode voltar a acontecer através da actividade vulcânica….
Outro facto não menos curioso, é o aumento do trabalho das bactérias quando detectam um aquecimento do planeta, retirando desta forma, maiores quantidades de dióxido de carbono, o que provoca um menor efeito de estufa e, consequentemente, um arrefecimento do planeta. O contrário também se verifica.
As florestas tropicais húmidas também servem para refrescar o planeta, com a capacidade de evaporação/transpiração de enormes volumes de vapor de água, dando origem à formação de nuvens brancas reflectoras, que propiciam protecção às radiações solares.

3. CONCLUSÃO
Esta magnífica hipótese Gaia pode ser simultaneamente discernida a dois níveis. Um, o científico, centrado nas operações físicas, biológicas e químicas do seu corpo, envolvendo organismos e reciclagem de elementos na biosfera, de que encontramos acima alguns pequenos exemplos; o outro, é ter consciência dos aspectos profundos de Gaia. Lovelock e outros seres com senso intuitivo, perceberam perfeitamente que a vida teve origem num denominador comum. Ter consciência plena do funcionamento de Gaia só será possível se tentarmos percepcionar a realidade e vivenciá-la ao mais alto nível. De outra forma não seria possível porque estamos inseridos em corpo e consciência nesse Grande Ser. Tal facto reduz significativamente a sua percepção, através de simples ou complexas análises cartesianas. Mas estas análises são úteis para desbravar a sua verdadeira natureza, pois elas fornecem-nos um suporte credível, capaz de nos levar progressivamente a vislumbrar a sua magnificência, num simples facto da vida ou da vida como um todo. Só assim poderemos expandir a nossa consciência e superar toda a separatividade do eu com o semelhante, do eu com o outro diferente, do eu com o todo - Gaia.
A humanidade actual tem grandes capacidades. Mas, essas capacidades estão a ser manipuladas pelo egoísmo e pela ignorância, que têm transformado o homem num parasita destruidor. Tal facto tem-se vindo a verificar especialmente nos dois últimos séculos, com o desenvolvimento da tecnologia que transformou abruptamente o mundo, de tal forma que os normais mecanismos de reciclagem de Gaia já não conseguem funcionar de forma a restabelecer o equilíbrio, pelo menos de forma harmoniosa. Isto deve-se ao facto da importância e evolução da ética não ter acompanhado o desenvolvimento tecnológico. Se a humanidade continuar neste caminho, a catástrofe pode aproximar-se. Cabe a cada um de nós ter consciência deste facto, dos nossos actos, bem como do magnífico trabalho que Gaia desempenhou até chegar a nós. Mas o homem poderá não ser a última razão de Gaia. E, como tal, só um convívio harmonioso com os outros Reinos da Natureza permitirá que o processo evolutivo humano possa continuar. Só assim conseguiremos sobreviver e evoluir, inseridos na diversidade, como o demonstram os novos modelos ecológicos. À medida que aumenta a diversidade, aumenta também a estabilidade e a resiliência.
A importância deste trabalho para as políticas para a sustentabilidade traduz-se na importância de uma consciência profunda, aberta, alargada. Uma consciência não-antropocentrada, porque tudo está relacionado. Uma política para a sustentabilidade tem de incorporar o todo, tanto o bem-estar humano como a preservação dos ecossistemas naturais. Só assim, a humanidade deixará de ser um parasita ou um cancro de Gaia, para passar a ser como um órgão, integrado harmoniosamente no seu organismo, um cérebro com uma consciência que evolui lado a lado com a natureza e o universo.
Jorge Moreira
______________________
NOTAS:
• Este trabalho é excerto de um texto meu publicado na revista Osíris nº 3, Junho 2004.
• Na Bibliografia original encontra-se os trabalhos de James Lovelock e Lynn Margulis sobre a hipótese Gaia.